Outro dia, andando pelo centro de uma cidade da região, vi mais uma daquelas placas com letras grandes e imperativas: “NÃO DÊ ESMOLAS.”
Estava ali como um aviso oficial, com o peso de quem carrega uma verdade absoluta. Curioso como essas frases parecem vir sempre acompanhadas de um tom de superioridade moral, como se a cidade inteira devesse aprender a enxergar o mundo com os mesmos olhos.
A justificativa, claro, é conhecida: “eles vão gastar com bebida, com droga, vai incentivar a mendicância…” — e por aí vai. Não nego que isso aconteça. É triste, é real, e eu vejo isso todos os dias. Mas me espanta como as mesmas pessoas que defendem com firmeza esse tipo de regra são, em outros contextos, completamente contrárias às generalizações. E com razão. Porque generalizar é injusto — e perigoso.
Nem todo pedinte está atrás de cachaça. Nem toda mão estendida quer enganar. Às vezes, há ali um pedido legítimo, um desespero silencioso, uma fome de pão ou de dignidade.
Certa vez, encontrei um casal de estrangeiros com dois filhos pequenos. Eles pediram uns trocados para comprar um lanche para os filhos. Estavam visivelmente constrangidos, mas havia verdade nos olhos. Se eu seguisse o raciocínio das placas e das campanhas, teria dito “não”. Mas que tipo de regra pode ser aplicada ao coração humano sem que ele proteste?
Ofereci dinheiro para comprarem um lanche e depois os encaminhei para a assistência social do município.
Não tenho o dom da onisciência. Não posso distinguir, com precisão divina, quem vai comprar drogas de quem só quer alimentar os filhos. Mas como vivo em um país livre, posso pensar com liberdade. Posso sentir. Posso olhar. Posso escolher confiar — mesmo sabendo do risco.
E é isso que faço. Nessas horas, não escuto as placas. Nem os conselhos burocráticos de quem vive longe da rua. Escuto apenas a voz que me guia por dentro: a do meu coração. Se ela me diz para ajudar, eu ajudo. Dou os trocados que tenho no bolso. Ou entro numa padaria e compro um lanche. E sigo adiante, com a estranha e suave sensação de que, às vezes, desobedecer também é um ato de compaixão.
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