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O país onde gritar é lei

25/03/2025 11h22

Não sei como as coisas funcionam além das fronteiras de onde eu frequento, mas, desde menino, percebo que, dentro do espaço geográfico onde transito, quem tenta resolver problemas na base da educação quase sempre sai perdendo. É engolido pela burocracia, esquecido em filas intermináveis - mesmo quando a solução é simples. E, quando falo em educação, não me refiro a diplomas ou anos de estudo, mas à postura respeitosa e pacífica que aprendemos, ou pelo menos deveríamos aprender, desde criança.


Para deixar mais claro o que quero dizer, vou contar duas histórias que vivi.


Certa vez, tive que esperar atendimento em um hospital da minha cidade. Eu sentia uma dor insuportável - e dor, como todos sabemos, só quem sente pode medir. Ainda assim, permaneci em silêncio por mais de uma hora, assim como os outros à minha volta, que provavelmente também classificavam suas dores como insuportáveis. Estávamos todos no mesmo barco, então aguardar a ordem de atendimento era o mais civilizado a fazer.


Foi então que um homem, recém-chegado e impaciente após meros dez minutos, resolveu agir. Levantou-se, gritou, esbravejou, chutou uma lixeira, socou uma maca e empurrou uma cadeira de rodas. Todos imaginamos que ele seria expulso. Mas, para surpresa geral, aconteceu o oposto: sua grosseria lhe garantiu atendimento imediato.


Outro episódio, esse mais recente, aconteceu quando minha conta de luz veio errada. Três vezes fui ao posto de atendimento da fornecedora de energia. Três vezes expliquei meu caso com calma. Três vezes a atendente me ouviu atentamente, digitou minhas palavras no computador e me entregou um protocolo. Mas, como descobri depois, aquele número de protocolo era tão útil quanto um bilhete de loteria não premiado. Na prática, servia apenas para me dar a ilusão de que algo estava sendo feito.


Infelizmente, nesses lugares - especialmente em grande parte das repartições públicas -, a solução demora a chegar para quem fala baixo. Os inúmeros exemplos que vi e vivi me deixaram com a impressão de que a velocidade para resolver problemas é beneficio reservado aos que se indignam, gritam e socam a mesa. Para os que perceberam que fazer escândalo é o atalho mais rápido.


E o mais triste é que essa lógica está se tornando regra. Por aqui, salvo raras exceções, o bonzinho sempre é deixado por último. E o pior dessa história toda é que, quando recompensamos a grosseria, punimos a educação. Assim, vamos criando um país onde quem aprende a ser respeitoso descobre, cedo ou tarde, que está jogando um jogo cujas regras favorecem os que berram. 


Se as coisas continuarem assim, não demorará para que a grosseria deixe de ser um atalho e se torne o único caminho. E, quando isso acontecer, não será apenas no hospital ou na fila do banco que o grito vencerá a razão. Ele tomará conta do trânsito, das escolas, das relações de trabalho e até mesmo da política.


Um dia, talvez, olharemos ao redor e perceberemos que não há mais espaço para o diálogo, que ninguém mais espera sua vez sem erguer a voz, que o respeito virou sinônimo de fraqueza. E, então, nos perguntaremos como chegamos a esse ponto. Mas a resposta estará escrita nas pequenas escolhas que fizemos todos os dias: nos momentos em que recompensamos o berro e ignoramos a paciência, em que demos razão ao mais agressivo e deixamos o respeitoso falando sozinho.


Porque um país onde gritar é lei não nasce de um decreto. Ele se constrói no cotidiano, no instante em que trocamos o bom senso pelo medo de ser passado para trás. E, se não percebermos isso a tempo, talvez nem mesmo aos gritos consigamos reverter o estrago.


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MACIEL BROGNOLI
Crônicas e contos
Maciel Brognoli é guarda municipal de Tubarão, graduado em Administração Pública, especialista em Segurança Pública e Gestão de Trânsito e escritor. Ocupa a cadeira n° 27 da Academia Tubaronense de Letras (Acatul) e escreveu quatro livros.
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