Quando eu era criança, a simplicidade da minha vida familiar e a escassez de recursos impediam-me de experimentar certos sabores com frequência. Assim, quando ganhava uma garrafinha de refrigerante, criava maneiras de prolongar o prazer daquele sabor.
Perfurava a tampinha com um prego ou esmagava o canudinho para saborear aos pouquinhos. Hoje em dia, já não sou mais tão fã deste sabor, mas naquela época cada gole era tão delicioso que eu desejava que aquele momento fosse eterno.
Conforme minhas vivências e perspectiva, hoje penso que aqueles que crescem em ambientes de abundância nem sempre valorizam devidamente os alimentos que recebem. O iogurte, por exemplo, era um sabor escasso na minha infância.
Quando tinha a oportunidade de saborear um potinho, aproveitava ao máximo. O ritual iniciava-se lambendo a grossa camada acumulada na parte interna da tampinha de papel alumÃnio. Depois, cada colherada era saboreada com gratidão, e no final, eu raspava o potinho com o dedo para aproveitar até o último resquÃcio.
Nos dias em que minha mãe fazia bolo, eu lambuzava o rosto com a massa restante na tigela. E ao saborear uma fatia de melancia, comia até alcançar a parte branca mais dura antes da casca.
Aproveitava ao máximo os alimentos porque desde pequeno aprendi que desperdiçá-los é desrespeitar as muitas pessoas que passam fome no mundo. É por isso que desde a infância meu prato sempre volta para a pia impecavelmente limpo, sem sobrar um único grão de arroz!
Eu também aprendi a valorizar os sabores que a natureza nos proporciona gratuitamente. Goiaba, pitanga, jambolão, ingá, laranja e tantas outras frutas que apodrecem nas árvores por aÃ.
As crianças de hoje em dia não parecem apreciar essas coisas. Aliás, a maior parte da criançada atual nega e reclama de quase tudo que recebe. Reclamam por ter que comer uma refeição saudável. Reclamam do sabor do iogurte, reclamam até mesmo da doçura da melancia...
Penso que ter tudo o que se necessita, quando se deseja e no momento desejado, é um privilégio. Contudo, acredito que o excesso e a facilidade na infância podem gerar adultos desprovidos de gratidão e insensÃveis à s dificuldades alheias.
É por todas essas razões que sou grato a Deus pelas adversidades enfrentadas na minha infância! Essas experiências foram fundamentais para moldar quem sou hoje e contribuÃram significativamente para minha formação pessoal. Aliás, as vivências dessa fase da minha vida constituem as principais fontes de inspiração para minha escrita.