Sexta-feira, 26 de abril de 2024
  • WhatsApp
  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Contato
Buscar
Fechar [x]

BLOGS E COLUNAS

Arquivo de minha vida

02/09/2020 14h28

O sábado da primeira semana do mês de julho chegara soprando vento gelado e desencorajador. Levantei da cama cedinho. Abri a janela e vi uma densa cortina branca de neblina encobrindo os morros do vale onde resido. Fui à cozinha e coei café. Liguei o rádio. O cantor Baitaca cantava "Do fundo da grota", enquanto eu, introspectivo, ganhava potência de agir bebericando café preto.


Meu recolhimento mental só foi quebrado pelo som de buzina de carro. Era Jader que havia chegado. Larguei a xícara em cima da pia. Tranquei a porta. Olhei para o céu. Não era noite nem dia. Luz frouxa e neblina deixavam a atmosfera cinzenta. Embarquei no carro e Jader dirigiu até a base da montanha que havíamos combinado subir, no bairro São João-MD, em Tubarão. 


Começamos a caminhada às 6h30. Os primeiros raios solares pintavam o céu de tons avermelhados. Subimos mais alto que a neblina, vimos o sol nascer e tingir de dourado a cidade e o Rio Tubarão. Avistamos o mar, a Lagoa de Santo Antônio e a silhueta do Farol de Santa Marta. Continuamos a subir por uma trilha íngreme até finalmente alcançarmos os 350 metros de altura. E do topo da montanha tivemos o privilégio de ver a nossa Tubarão seminua, encoberta apenas por um lençol de neblina, que aos poucos foi queimado pelo calor do sol, deixando a cidade despida em sua total beleza. 


Tudo muito lindo!


Durante a descida, cenários repetidos já não nos surpreendiam como no primeiro olhar. Mas o encantamento voltou quando vimos ao pé do morro uma casinha de madeiras enegrecidas pelo tempo. 


Da janela, um homem rechonchudo nos vigiava com olhos azuis brilhantes, expressão simpática e aparência de eremita. Puxei conversa fiada pra fazer amizade e saber mais sobre sua aparente vida solitária.


- Opa, bom dia! 

- Bom dia!

- Tá frio hoje né, senhor...

- Adão - adiantou-se ele.


Tivemos uma conversa amigável e descontraída. Sua casa era simples e cercada por árvores, construída em chão rochoso e flores coloridas enfeitavam as cercanias. Aquele local era a concretização da imagem mental que eu fazia do paraíso. E diante de mim, um Adão sem Eva!


O senhor Adão nos convidou a entrar e conhecer sua casa. Ofereceu café quentinho e simpatia aconchegante. Mostrou os cômodos decorados com objetos que o senso comum considera lixo, e faz questão de contar a história de cada um deles.


Havia vida em cada cantinho!


Ele permitiu que eu fotografasse toda aquela maravilha. Enfeites pra todo lado. Criatividade abundante. Fogão a lenha soprando fumaça branca que se misturava à neblina baixa. O rádio sintonizado na emissora Tubá, ouvindo o programa Italliani Tutti Buona Gente.


Ao ver o senhor Adão reaproveitando tantas latas e frascos, voltei ao passado e recordei-me de um dos meus brinquedos favoritos: um trenzinho em que os vagões eram latas vazias de sardinhas atadas umas nas outras. Lembrei-me também dos dias de inverno em que eu aquecia-me ao lado do fogão a lenha que tínhamos na nossa antiga casinha de madeiras enegrecidas pelo tempo.


Naquele dia, tantas outras coisas lembrei-me, pois voltei a ser menino de cinco anos que morou na localidade de Canela Grande, em Pedras Grandes. 


Os anos passam e as memórias de nossa infância ficaram adormecidas. Mas de vez em quando a gente tem a sorte de sentir cheiros, provar sabores e rever imagens que nos fazem regressar mentalmente no tempo. E foi isso que aconteceu comigo naquela belo dia!


Eu e Jader nos despedimos do senhor Adão e começamos a descer o morro pela estradinha de chão batido. Olhei para trás pela última vez. Da janela de sua simples casinha, o senhor Adão acenou e sorriu pra nós. Devolvemos a gentileza. E assim terminamos nossa aventura naquela manhã fria de inverno. Não sei quanto aos sentimentos de Jader, mas eu voltei pra casa feliz e com mais um belo registro acrescentado no arquivo de minha vida. 



MACIEL BROGNOLI
Crônicas e contos
Maciel Brognoli é guarda municipal de Tubarão, graduado em Administração Pública, especialista em Segurança Pública e Gestão de Trânsito e escritor. Ocupa a cadeira n° 27 da Academia Tubaronense de Letras (Acatul) e escreveu quatro livros.
CARREGAR MAIS
Agora Sul
  • WhatsApp
  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter
  • Youtube
  • Contato
Sulagora.com. Tudo o que acontece no Sul. Agora. © 2019. Todos os direitos reservados.
Política de Privacidade

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.