É sempre a mesma história – e cansamos de conhecê-la de cor. Quando uma mulher ousa romper o silêncio e dizer “fui abusada”, as lentes da sociedade, afiadas e inquisidoras, se viram para ela. Não para acolhê-la. Não para protegê-la. Mas para vasculhá-la.
Querem saber o que ela vestia, aonde foi, com quem andava, se bebeu, se sorriu demais, se provocou. Vasculham suas redes sociais, seus amores antigos, suas conversas esquecidas. Procuram, insistentemente, qualquer rastro que justifique o injustificável. Como se um passado que não se enquadra na moral alheia pudesse, de alguma forma, validar o abuso sofrido.
Ela vira ré no próprio caso.
Ela precisa provar que merece ser vítima.
Enquanto isso, quando um homem é acusado de agredir, a direção do olhar muda. Correm para proteger sua biografia, seus feitos, seus títulos. “Ele tem um futuro brilhante pela frente.” “Sempre foi um bom rapaz.” “Foi um erro pontual, um deslize.” As mesmas vozes que esmiuçaram a vida da mulher se apressam em passar um pano quente na vida do agressor.
Porque, dizem, é preciso “preservar a carreira dele”.
Porque, alegam, “um erro não pode definir um homem”.
Mas, ironicamente, uma denúncia define uma mulher. E não apenas define – marca, julga, isola.
A balança da justiça – e da opinião pública – ainda pesa desigual. Uma mulher abusada precisa lutar contra a dor e contra a suspeita. Já o homem agressor é envolto num manto de proteção que beira o absurdo. Protegem sua imagem, seu sobrenome, seu futuro. Como se o medo fosse que a agressão macule a biografia de um homem promissor. Não a vida de uma mulher ferida.
É por isso que tantas se calam.
É por isso que tantas não denunciam.
Porque sabem que a violência não termina quando acaba o ato. Ela continua no tribunal da sociedade, que a julga como cúmplice da própria dor.
Mas eu te digo, mulher: a culpa nunca foi sua.
Seu passado não justifica a violência. Sua roupa não valida o abuso. Seu comportamento não é desculpa para a covardia de ninguém.
E enquanto eles tentam proteger o futuro de quem agride, nós seguiremos lutando para proteger o presente e o futuro de quem sobrevive.
De quem levanta.
De quem não vai mais se calar.
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