Nos apaixonamos porque é da natureza humana acreditar no encantamento. A paixão é o arrebatamento que nos tira do chão, uma febre, uma necessidade de escapar da lógica fria e previsível do cotidiano. Ela chega sem aviso, sem hora marcada, e toma conta dos nossos sentidos como uma tempestade que arrasta tudo. E, por mais que saibamos, lá no fundo, que é efêmera, nos jogamos nela como se fosse durar para sempre. Porque, naquele momento, o para sempre parece real.
O mito é que a paixão é duradoura, quando, na verdade, ela tem data de validade. A ciência até se arrisca a definir: seis meses, dois anos, talvez um pouco mais. Mas não é sobre o tempo no relógio, é sobre o tempo emocional. Paixão é estado de exceção, é viver em alerta constante. É a euforia de ver no outro uma idealização, um reflexo ampliado de nós mesmos. E, por ser assim, não se sustenta. A intensidade da paixão é como um fósforo aceso: brilha forte, aquece, ilumina, mas se consome rapidamente.
Nos apaixonamos por aquilo que admiramos no outro, mas essa admiração, no auge da paixão, se confunde com uma projeção. Não é o outro de verdade que nos atrai, é a ideia que criamos dele. A pessoa que idealizamos é quem gostaríamos de ser, ou quem pensamos que pode nos completar. A paixão é, muitas vezes, um espelho da nossa busca interna por algo que nos falta. E é por isso que, com o tempo, ela se desgasta. O espelho começa a mostrar rachaduras, a imagem idealizada se desfaz, e o outro surge, com suas falhas, suas vulnerabilidades, sua humanidade. É nesse momento que a paixão se transforma, ou termina.
A verdade é que a paixão é uma ilusão necessária. Sem ela, talvez nunca nos aproximássemos do outro. A admiração é o primeiro passo, mas o caminho da paixão é sinuoso, cheio de curvas entre o que vemos e o que é. A linha entre admiração e paixão é tênue, porque o desejo de estar perto, de absorver o outro, nos cega para as imperfeições. E é exatamente essa cegueira que torna a paixão perigosa e, ao mesmo tempo, irresistível. No fundo, a paixão é um risco: o risco de amar o que não existe, o risco de descobrir que o que parecia completo é, na verdade, apenas um fragmento.
Mas, se a paixão tem prazo de validade, o que sobra depois dela? O que sobra é a escolha. O que sobra é a verdade crua de que ninguém é capaz de sustentar, por muito tempo, as projeções do outro. E, quando a paixão se esvai, o que resta é a chance de enxergar o outro de verdade, sem a lente distorcida da idealização. É nesse ponto que a paixão pode virar amor. Amor não é a euforia do começo, não é o arrebatamento da paixão. Amor é a escolha contínua de ver e ser visto, de aceitar o outro em suas imperfeições, e ainda assim querer estar ali.
Nos apaixonamos porque precisamos da ilusão para nos conectar, mas amamos porque somos capazes de ver além dela. Paixão é fogueira; amor é lareira. Paixão queima; amor aquece. Paixão é um mito bonito, que nos seduz com promessas de eternidade, mas é no desfecho desse mito que encontramos a verdade: só depois de perdermos a cegueira da paixão é que aprendemos a ver.
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