A hipocrisia tem um talento especial para se disfarçar de normalidade. Ela se veste de tradição, de cultura, de piada. E é aí que mora o perigo. Basta olhar para as mesas de bar, para as rodinhas de conversa, para os julgamentos rápidos e certeiros do tribunal das redes sociais: quando um homem está bêbado, isso justifica o que ele faz; quando uma mulher está bêbada, isso justifica o que fazem com ela.
O primeiro é visto com compreensão. “Foi a bebida”, dizem, como se a consciência do homem tivesse tirado férias. As desculpas vêm prontas, embaladas em papel machista: “Ele não sabia o que fazia.” E assim, os erros são varridos para debaixo do tapete da embriaguez.
Já a mulher, essa não tem direito ao mesmo benefício. Se bebeu demais, a culpa é dela. Se foi tocada, ofendida ou violentada, começam as perguntas capciosas: “Mas o que ela esperava, bêbada desse jeito?” Não se julga quem cometeu o ato, mas quem deveria ter evitado ser vítima. A lógica se inverte com uma facilidade que assusta.
Essa disparidade escancara uma verdade incômoda: a sociedade ainda encontra mais justificativas para o agressor do que para a vítima. O corpo da mulher, sua roupa, seu estado de consciência, tudo vira pretexto para absolver atitudes imperdoáveis. E a pergunta que fica é: até quando vamos aceitar que dois pesos e duas medidas sejam aplicados com tanta naturalidade?
Enquanto a embriaguez masculina for licença para o erro e a feminina for sentença de culpa, continuaremos sendo coniventes com uma injustiça gritante. E essa balança torta precisa, urgentemente, ser reajustada. Porque dignidade não deveria depender do gênero - nem do teor alcoólico.
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