É estranho como a morte une as famílias, enquanto a vida frequentemente nos mantém separados. Parece até uma ironia de mau gosto. Passamos meses, às vezes anos, sem uma ligação, sem um abraço sincero, presos na correria dos dias que engolem intenções e silêncios. Até que um telefonema, desses que fazem a voz tremer e as mãos suarem, rompe a distância. A morte, implacável, convoca - e ninguém ousa faltar.
De repente, lá estamos nós, apertando mãos que antes se esquivavam, trocando palavras abafadas entre suspiros e lembranças. Os primos que mal se falavam dividem histórias de infância; os irmãos afastados se olham nos olhos, talvez pela primeira vez em muito tempo. O choro coletivo parece lavar as mágoas guardadas, enquanto a cozinha se torna palco de cafés intermináveis e biscoitos repartidos em meio a desabafos.
É intrigante essa capacidade da morte de costurar o que a vida rasgou. Parece que só a ausência definitiva consegue fazer com que percebamos o quanto o tempo é tirano e breve. A perda escancara o essencial: somos todos frágeis, mortais, passageiros na mesma embarcação à deriva. Mas, paradoxalmente, a dor também se dissipa, e a rotina se apressa em cobrir com poeira os acordos silenciosos firmados entre lágrimas.
Voltamos aos nossos mundos separados, promessas de visitas quebradas pela pressa do cotidiano. Até que outra ausência nos reúna - e o ciclo recomece, numa dança trágica e previsível.
Talvez seja hora de aprender com a morte a valorizar a vida. De ligar sem motivo, abraçar sem pressa, dizer “eu te amo” sem a urgência das despedidas. Porque a ironia não está no fato de que a morte une, mas no desperdício de só percebermos isso tarde demais.
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