Há sentenças que não se apagam com o tempo — nem com tinta, nem com toga. São condenações de alma. Não cabem em códigos, não se encaixam em jurisprudências. São marcas gravadas em pele de mãe, que jamais cicatrizam.
Quando um homem mata os próprios filhos para ferir uma mulher, não é apenas um crime. É um colapso da humanidade. É o feminicídio mais perverso: o que não atinge diretamente o corpo dela, mas arranca-lhe a alma — inteira. Um feminicídio por tabela, como bem diz Carpinejar. Uma violência que silencia o ventre e sepulta sonhos antes mesmo do caixão.
Não há cálculo de justiça que repare o vazio de um quarto infantil, o brinquedo esquecido no canto, a lancheira que nunca mais será usada. Dez anos por vida ceifada soa como deboche diante de uma dor que é perpétua. Para a mãe, não há progressão de pena. É prisão perpétua do luto.
Condenamos em papel. Mas o papel é leve, frouxo, inerte. Quem pesa, de verdade, é a memória — e quem a carrega é sempre a mulher sobrevivente. Sobrevivente, sim, mas esfarelada por dentro.
Não há justiça suficiente quando o sistema parece pesar mais o direito do réu do que a dor da vítima. Quando a frieza do Código Penal contrasta com a brutalidade do que foi feito. E, no fim, sobra essa sensação de que o que mais sangra não é o crime — é a impunidade.
Escrevo com raiva. Com angústia. Mas, sobretudo, com respeito por cada mulher que, mesmo estraçalhada, ainda se levanta. Porque é isso que fazemos: renascemos das nossas próprias cinzas, mesmo quando nos arrancam o coração.
E é por elas que seguimos escrevendo. Gritando. Exigindo que essas condenações não sejam apenas de papel.
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