Luis Fernando Veríssimo, com sua sagacidade única, certa vez afirmou que tudo o que vicia começa com a letra C. Uma ideia simples, mas com uma carga de verdade inegável. De fato, se pararmos para pensar, muitas das coisas que nos prendem, que nos tornam dependentes, têm essa letra como símbolo. Café, celular, chocolate, cigarro, consumismo… a lista é longa e revela, de certa forma, a maneira como vivemos: de olho em algo, sempre esperando o próximo impulso, o próximo prazer, o próximo alívio.
O café, por exemplo, começa o dia de muitos de nós, como uma espécie de ritual. Aquele primeiro gole quente que, mais do que acordar, nos faz sentir vivos. Mas, como Veríssimo apontou, logo ele se torna necessário. Não é mais apenas um gosto, é uma urgência. O corpo clama por mais, e a mente, já viciada na rotina, busca a sensação de satisfação que só ele oferece. O café, que deveria ser um prazer ocasional, acaba dominando, e se não estiver ali, a sensação de vazio toma conta.
E quem não conhece o poder do celular? Com seu brilho hipnotizante, nos chama a atenção a cada notificação. “Só mais uma olhada” se transforma em horas deslizando a tela, perdendo-se em redes sociais, notícias e mensagens. Cada “ping” é uma recompensa, um pequeno golpe de dopamina que nos faz voltar, sem perceber, a ser escravos dessa pequena tela. Não importa se é uma reunião importante, um momento de lazer ou um jantar em família: sempre haverá o celular para interromper. Mais uma vez, o vício se manifesta, disfarçado de “necessidade”, e a vida passa, fugidia, em pequenos cliques.
Chocolate é outro vilão disfarçado de doce aliado. Quem nunca se viu em uma tarde entediada, abrindo um pacote de chocolate e comendo sem parar, como se aquele pedaço de açúcar fosse a solução para todos os problemas? O prazer imediato do sabor se mistura com o alívio de um dia cansativo e, antes que percebamos, a compulsão se instala. Como no café, o chocolate começa como um prazer ocasional, mas logo se torna um refúgio, algo necessário para dar prazer e conforto, mesmo que por alguns minutos.
O cigarro, símbolo do vício mais antigo, também começa com a letra C. E esse é talvez o vício mais triste de todos, porque ele leva não só tempo e dinheiro, mas a própria saúde. Começa com um desejo de pertencimento, com a ideia de que fumar é um prazer reservado a poucos, algo que oferece um momento de pausa. Mas logo a fumaça toma conta, e o vício, invisível e silencioso, se instala. O corpo pede mais, e a pessoa já não consegue mais se imaginar sem aquele cigarro aceso, sem aquele ar de “relaxamento” que ele proporciona. E, por fim, o que parecia ser um prazer, se torna uma prisão.
E o consumismo, esse vício moderno que também começa com C, nos faz acreditar que a felicidade está no que temos. Lojas, promoções, descontos, produtos de desejo… São sementes que plantamos em nossa mente, sempre buscando preencher um vazio que, paradoxalmente, só aumenta à medida que compramos mais e mais. A sensação de satisfação é fugaz, e logo o ciclo recomeça, como se a felicidade dependesse da última aquisição. Mas o que realmente está em jogo é um vazio que o consumo nunca preenche de verdade.
É lamentável que a humanidade, em sua busca incessante por satisfação instantânea, nunca tenha se viciado em algo realmente transformador: Cultura. Imagine se, ao invés de alimentar vícios efêmeros, nutríssemos o espírito com conhecimento, reflexão e arte. Se, ao invés de depender de substâncias ou comportamentos fugazes, nos tornássemos viciados em aprender, em questionar, em expandir nossos horizontes. Cultura, esse combustível para a alma, poderia preencher o vazio que o consumismo e outros vícios deixam. A leitura, o cinema, a música, a filosofia — todas essas sementes de sabedoria poderiam criar raízes profundas, tornando-nos seres mais completos, mais conscientes de nós mesmos e do mundo ao nosso redor.
O mais interessante disso tudo é que a letra C não é um destino cruel e inevitável. Ela representa apenas o ponto de partida, a primeira semente. O que fazemos com ela depende de cada um de nós. O café pode ser uma forma de prazer controlado, o celular uma ferramenta útil, o chocolate um mimo ocasional, o cigarro um mal a ser combatido, e o consumismo, algo a ser moderado. Mas se pudermos, por um momento, escolher a Cultura como vício, talvez possamos cultivar um jardim mais fértil, mais enriquecedor.
Talvez, se em vez de nos rendermos ao que vicia, começássemos a plantar sementes de algo diferente, algo que também começa com C, como calma, consciência ou coragem, poderíamos estar construindo um futuro mais saudável para nossas mentes e corações. Afinal, o que cultiva a alma é, no final das contas, aquilo que decidimos semear.
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