Eu devia ter uns dez anos. Todas as noites, eu e alguns amigos nos reuníamos em frente de casa, numa escadaria que levava à entrada da padaria do seu Maneca. A conversa sempre girava em torno dos filmes do Supercine, de quem de nós jogava melhor futebol e, principalmente, do senhor Áries: um velho mal-humorado que usava óculos de fundo de garrafa, dirigia um Fusca branco e morava sozinho numa casa velha de madeira pintada de vermelho, bem na esquina da rua.
A gente suspeitava que o seu Áries era um lobisomem. As evidências eram claras: os braços cobertos de pelos, o corpo curvado e o hábito de nunca aparecer durante o dia. Ficávamos ali até tarde, criticando a ingenuidade dos adultos por não perceberem o perigo que corriam com a presença daquele homem no bairro.
Numa noite clara de lua cheia, enquanto conversávamos, um dos meus amigos, o Rodrigo, pegou uma pedra do chão e a atirou contra a casa do senhor Áries. A pedrada acertou em cheio a vidraça da janela do quarto.
Quando percebemos o tamanho do problema em que havíamos nos metido, corremos e nos escondemos atrás do muro da dona Izaura. De lá, espiamos por uma fresta o senhor Áries sair correndo de casa, sem camisa, gritando, babando, enfurecido, com os olhos brilhando de raiva. O corpo, ossudo, curvado, peludo.
Assistir àquela assustadora transformação era a prova de que precisávamos. Naquela noite, tivemos certeza: ele era mesmo um lobisomem.
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