A primeira vez que fui a um restaurante na vida eu tinha 18 anos. E só fui porque estava numa viagem de trabalho. Eu não era pobre, sempre fui da classe média. Mas certas coisas, naquela época, era só para os ricos. Ir a um restaurante era uma delas. Comprar um carro zero quilômetro. Ter telefone em casa. Viajar de avião. Viajar para qualquer lugar.
Foi só a partir do Plano Real, em 1994, que a classe média pôde, enfim, saber o que era comprar um carrinho zero quilômetro. Carrinho mesmo, que até ganhou o nome de popular: Corsa, Celta, Gol e Uno Mille. Nos anos 2000 podíamos comprar e pagar sem entrada e em até 72 parcelas sem juros. Seis anos para pagar! Os mais jovens conseguem imaginar?
Essa ascensão da classe média, e seu novo padrão de consumo, foi muito bem retratado por Miguel Falabella, que fazia graça na TV com o personagem Caco Antibes. “Pobre, antigamente, só ia no aeroporto para visitar, dar adeus. Hoje, compram passagem em 10x e vão pra Miami. É uma visão do inferno aquele aeroporto cheio de pobre. Eu tenho horror a pobre”.
Esses tempos de bonança duraram até alguns anos atrás. Vieram várias crises, o povo foi pra rua protestar. Teve impeachment, entra vice-presidente, prende o ex, sai o vice, entra outro no lugar e voltamos pelo menos 30 anos no tempo. A época que comprar carro zero, ir a restaurante e viajar era só para os ricos. Crescemos como rabo de cavalo, só para baixo.
Veio pandemia, veio guerra, e a forma como o governo lidou com esses problemas não ajudou a superá-los, pelo contrário. Ficamos discutindo se vacina ou cloroquina é que prestava, quanta bobagem! Mas o tempo passa, e se não há bem que sempre dure, mais verdade ainda é que não há mal que nunca se acabe. É só não votar em quem tem horror a pobre.
