Todo filho biológico, mais cedo ou mais tarde, se torna adotivo.
Não porque mudou de família, mas porque o tempo mudou a forma de amar.
Quando os pais morrem, você passa a adotá-los dentro de si. Já não há colo, já não há bronca, já não há mesa posta com o cheiro da comida de domingo. Há lembrança. Há a ausência que ocupa cadeira. Há a saudade que grita no silêncio.
E nesse luto, você descobre: não basta ter nascido deles, é preciso agora assumi-los.
Você os adota em cada mania que repete sem querer, no jeito de rir parecido, na mania de guardar sacolas, no costume de exagerar no café, na expressão que escapa do rosto.
Você passa a ostentar cada detalhe como quem carrega medalhas invisíveis.
Ser filho, depois da morte, é virar guardião.
Você protege os trejeitos, a voz, o cheiro, como quem segura relíquia.
E sente orgulho de se ver herdando aquilo que um dia achava defeito.
A orfandade é a certidão do recomeço: de filho biológico, você se torna filho adotivo. Adota a memória, adota o legado, adota até o silêncio que os pais deixaram.
E, no fundo, é quando você mais se parece com eles.
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