Em um mundo que se apresenta como uma correria constante, é curioso notar como a morte muitas vezes se transforma em um dos principais símbolos da nossa capacidade de amar. São flores depositadas em cemitérios, homenagens emocionadas em redes sociais, lembranças afetuosas em encontros familiares que reverberam um lamento coletivo: “Por que não fizemos isso quando estavam aqui?” A vida, por sua complexidade, nos ensina a dar valor ao que temos somente quando já não está mais presente.
Os mortos, em sua quietude eterna, frequentemente recebem mais flores do que os vivos. E isso não se deve a um capricho da natureza, mas a um fenômeno profundo do comportamento humano: o remorso muitas vezes supera a gratidão. O que se torna evidente, então, é que o amor, em sua forma mais genuína, é frequentemente camuflado por palavras não ditas, por gestos não realizados, por momentos desperdiçados.
É uma ironia cruel. Na ausência, os que partiram ganham uma aura de perfeição, enquanto as memórias que guardamos são tingidas de um tom nostálgico que enaltece as virtudes e silencia os defeitos. “Se ao menos eu tivesse dito isso” ou “Se eu pudesse voltar no tempo” tornam-se ecos que nos assombram. O remorso, essa sombra da culpa que nos persegue, parece mais intenso do que a gratidão que deveríamos sentir por aqueles que nos foram dados, mesmo que temporariamente.
A gratidão, por sua vez, é uma emoção que demanda prática e coragem. Ser grato implica reconhecimento, e o reconhecimento muitas vezes nos expõe à vulnerabilidade. Precisamos encarar o impacto que a presença de alguém teve em nossas vidas, e isso pode ser doloroso. Reconhecer as falhas em nossos relacionamentos e o tempo que não conseguimos aproveitar é uma tarefa árdua, que requer um olhar atento e um coração aberto.
Ainda assim, há beleza nessa dor. O fato de que os mortos ganham mais flores nos convida a refletir sobre como podemos mudar essa dinâmica. Se o remorso é um peso, a gratidão é leveza. A vida é uma oportunidade efêmera, e as pessoas ao nosso redor não são eternas. A urgência de expressar amor e gratidão se torna imperativa. Devemos cultivar flores enquanto os vivos ainda estão aqui, permitindo que nossas relações se transformem em um jardim vibrante, em vez de um cemitério de oportunidades não aproveitadas.
Por que não começamos a mudar isso? Que tal deixar as flores para os vivos, em vez de reservá-las apenas para os que partiram? Que possamos, então, fazer um esforço consciente para expressar nosso amor, nossa gratidão e nosso apreço, antes que a vida se torne apenas uma lembrança. No fim das contas, o verdadeiro significado da vida reside nas relações que construímos, nas flores que oferecemos e nas emoções que trocamos.
A vida não deve ser uma sequência de arrependimentos, mas uma celebração contínua de amor e gratidão. Assim, ao invés de nos lamentarmos com flores em cemitérios, que possamos usá-las para celebrar a vida, aqui e agora, criando memórias que serão eternas enquanto estamos juntos.
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