Ontem, ouvi um comentário que, de tão peculiar, não consegui ignorar. O presidente, em seu discurso, declarou-se um “amante da democracia”. Não, não apenas alguém que a defende ou aprecia, mas um amante. E, como se não bastasse o termo por si só, ele justificou: “porque os homens são mais apaixonados pelas amantes do que pelas esposas.”
Fiquei entre o riso desconfortável e a vontade de refletir. Veja só, comparar a democracia a uma amante já é, por si só, uma metáfora ousada. Mas atrelar essa paixão a uma suposta frieza no casamento, bem… isso é entrar num terreno escorregadio.
A democracia, assim como um casamento, exige esforço, diálogo, paciência, respeito. É a convivência diária, o “na saúde e na doença” de um pacto coletivo. Já uma amante, pelo que dizem, é o território do proibido, do furtivo, do desejo que consome, mas não constrói. Compará-las, ainda que num jogo de palavras, é subestimar a profundidade de ambas.
Mas será que não há uma pitada de verdade nesse tropeço retórico? Muitos de nós, homens e mulheres, nutrimos paixões avassaladoras pelo que está à margem, pelo que parece inalcançável. Idealizamos, romantizamos, mas nos esquecemos de que as grandes conquistas não estão nos suspiros efêmeros, e sim no trabalho árduo que sustenta o dia a dia. Apaixonar-se por uma amante pode ser fácil; amar e cuidar de um casamento é que é a verdadeira arte. E a democracia, meus caros, deveria ser tratada como uma esposa fiel, não como uma paixão de ocasião.
Talvez a frase carregue uma crítica involuntária. Será que a democracia tem sido vista como um capricho, algo a ser “curtido” quando convém e negligenciado no cotidiano? Será que não estamos todos – governantes e cidadãos – sendo amantes volúveis da liberdade, ao invés de parceiros comprometidos?
O discurso poderia ter sido um convite à reflexão sobre o compromisso que temos com a democracia, mas acabou virando combustível para risadas e debates de bar. Ainda assim, deixa-nos algo a pensar: estamos prontos para amar a democracia como ela merece, com a lealdade de um casamento verdadeiro? Ou continuaremos flertando com ela como quem vive à caça de uma paixão que não sabe manter?
Receba outras colunas direto em seu WhatsApp. Clique aqui.