Como quem desperta de um pesadelo, percebo subitamente que estou há cerca de 30 minutos diante da minha televisão, procurando um filme para assistir, mas sem encontrar sequer um título que me agrade. A tela moderna de quase 50 polegadas exibe uma vasta seleção: 8.941 filmes e 2.616 séries.
No entanto, continuo pensando que o streaming não é capaz de me oferecer boas opções. É claro que não há como negar: muitos filmes têm enredos parecidos, são mais do mesmo, e o nível de criatividade é muitas vezes duvidoso.
Mas estar diante de mais de 10 mil opções e sentir que não tenho nenhuma é estranho para alguém que, na infância e juventude, tinha apenas uma televisão de tubo com imagens em preto e branco e se contentava em assistir a um dos três canais de TV aberta que pegavam na minha região.
A geração de hoje pode até não acreditar, mas eu fui um daqueles meninos que esperava ansioso pela segunda-feira para assistir a um filme "inédito" na Tela Quente da Rede Globo. Naquele tempo, a ausência de opções tornava o filme que passava o melhor do mundo.
Na manhã seguinte, na escola, nos reuníamos para comentar sobre o "filmaço" que tinha passado na noite anterior. Aqueles que, por algum motivo, não conseguiam assistir se lamentavam por muito tempo, pois outra oportunidade para ver Arnold Schwarzenegger ou Jean-Claude Van Damme em ação poderia demorar meses. Para mim, o mais triste era quando eu conseguia assistir até a quarta parte do filme e pegava no sono antes do final.
Muitos anos se passaram e agora estou aqui, sentado no sofá diante de uma grande tela que me oferece infinitas opções. Analisando rapidamente meu passado, senti-me ingrato e envergonhado de mim mesmo. Então, larguei o controle remoto e fiquei refletindo até que ponto me permito ser moldado pelas ofertas que a vida moderna me disponibiliza. No tempo de escassez, eu aproveitava com alegria cada mínima possibilidade.
Hoje, com toda essa vastidão de opções, sinto-me em um labirinto que sempre me leva à indecisão ou à insatisfação. Mas isso acaba hoje! Não vou permitir que as facilidades sejam uma borracha apagando minha história e me transformando em uma pessoa ingrata e insatisfeita. De coração e mente, quero continuar sendo aquele menino que se sentia feliz e grato, mesmo quando só tinha arroz e feijão para comer todos os dias e um filme para assistir por semana.