A história que compartilho a seguir me foi contada por um caminhoneiro que viveu uma das maiores dores que um ser humano pode experimentar. Escrevi este texto com o mais profundo respeito à memória do menino, à dor de sua família e à força silenciosa de quem seguiu em frente levando no peito um luto impossível de nomear.
Dias atrás, conversei com um caminhoneiro que percorre as estradas deste grande Brasil desde a década de 1970. No ano de 1982, quando ainda era jovem, levou a esposa e os dois filhos pequenos — um menino e uma menina — em uma viagem que fez para o estado da Bahia.
Naquela época, viajar de caminhão por longas distâncias era um desafio bem maior do que é hoje: estradas precárias, comunicação quase inexistente. Cada quilômetro exigia cautela. Era preciso parar com frequência para conferir a carga, verificar os pneus, fazer refeições, usar o banheiro e, acima de tudo, naquele caso, dar assistência às crianças, porque o caminhão havia se tornado um lar sobre rodas.
O caminhoneiro me contou a história com detalhes, mas confesso que não lembro se foi na Bahia — sei apenas que foi em uma pequena cidade de algum estado nordestino — que o destino escreveu uma página dolorosa na vida da família deles.
Ele parou o veículo em um posto de gasolina. A esposa e os filhos desceram para ir ao banheiro, enquanto ele permaneceu na boleia, com o motor ligado, manobrando o caminhão. Passaram-se alguns minutos. Pelo retrovisor, viu a esposa e a filha retornando. Perguntou pela criança que faltava — o menino. A mulher respondeu que o garoto havia saído primeiro, dizendo que queria ir até o pai.
Assustada com a ausência do filho, ela desceu do caminhão e correu em direção aos banheiros. Mas, ao chegar à parte de trás do veículo, encontrou o menino ali, caído, sem vida. O pequeno havia saído sozinho e, ao passar atrás do caminhão em movimento, foi atingido pelas rodas traseiras. A vida dele se apagou ali, no silêncio cruel de um dia marcado para sempre na memória e no coração dos pais.
Além da dor indescritível que enfrentaram no pátio daquele posto de combustível, estavam muito longe de casa e, é preciso lembrar o leitor, o ano era 1982. Naquela época, não havia condições de embalsamar o corpo. As autoridades locais, então, orientaram o sepultamento no próprio estado.
E assim, com o coração despedaçado, aquele pai e aquela mãe enterraram o filho em uma terra estranha, sem familiares, sem despedidas — apenas tendo um ao outro e a filha pequena, suportando a dor mais profunda que um ser humano pode experimentar na vida.
Depois disso, tiveram que fazer o caminho de volta. Mais de dois mil quilômetros com a menina perguntando onde estava o irmãozinho. Mas não havia como explicar, não havia palavras que coubessem naquele silêncio que se fez na cabine do caminhão.
A resposta foi apenas um abraço da mãe e o olhar de profunda tristeza do pai. E, sobre esse assunto, o silêncio se estendeu entre o casal por mais de trinta anos, porque qualquer palavra era mexer em uma ferida que precisava de tempo para cicatrizar.
Ao ouvir essa história, imagens tomaram conta da minha mente, e uma dor profunda se instalou no peito — como se eu estivesse junto com eles na cabine daquele caminhão, sentindo a dor e o vazio deixados pelo anjinho que fez sua última viagem neste plano de vida.
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