Subitamente, a sociedade brasileira decidiu tornar-se mais virtuosa. Ou, ao menos, convenceu-se disso. Movidos por um ímpeto de consciência coletiva, apoiaram um deputado federal que propôs - e aprovou - uma lei proibindo o consumo de carne de porco. E assim, sem grandes questionamentos, todos acataram a lei de “proteção aos porcos”.
Alguns já se abstinham por fé, outros por compaixão, e muitos apenas porque parecia o caminho certo. Mas, no fundo, não havia alternativa: matar porcos passou a ser considerado um crime hediondo, e qualquer interferência humana em sua existência tornou-se um ato de brutalidade, punido com a privação da liberdade.
O impacto foi imediato. Criadores de porcos foram obrigados a abrir as portas dos chiqueiros, indústrias de salame e torresmo à pururuca fecharam, e milhares de trabalhadores perderam seus empregos. Os porcos, livres, leves e soltos, multiplicaram-se sem controle. Espalharam-se pelos campos e, em pouco tempo, invadiram as cidades. O que antes era uma espécie domesticada e controlada tornou-se uma praga incontrolável.
Com fome insaciável, devastavam plantações. O que não comiam, destruíam. Agricultores, impedidos de usar a força para proteger suas lavouras, desistiram de plantar. Logo, vários alimentos simplesmente desapareceram, e a fome se instalou por toda parte.
Os consumidores de carne recorreram ao gado e às aves, que não estavam protegidos pela lei, mas os veganos e vegetarianos - muitos dos quais haviam celebrado em praça pública a libertação dos porcos - foram os primeiros a sofrer. Sem plantações, sem colheitas, sem frutas e verduras nas prateleiras dos supermercados, sem nada. Nem mesmo pequenas hortas escapavam dos ataques noturnos dos novos senhores da terra.
Foi então que a sociedade se viu diante de um dilema cruel: infringir a lei de proteção aos porcos ou viver com severas limitações alimentares. A escolha não foi difícil, porque quando o estômago ronca mais alto que o ronco de um porco, até mesmo os mais convictos abandonam suas virtudes e renegam ideais que antes pareciam inabaláveis.
O que começou como um movimento em prol da vida e da liberdade dos porcos tornou-se um pesadelo. Quando a fome atingiu seu ápice, por instinto de sobrevivência, as pessoas ignoraram a lei e voltaram a caçar, prender e comer os porcos. Tudo isso com o apoio dos vegetarianos e veganos, que se uniram aos carnívoros e passaram a exigir a descriminalização do abate dos porcos.
Com o tempo, tudo voltou ao normal. Os porcos foram novamente trancafiados nos chiqueiros, e os agricultores voltaram a plantar e colher em abundância. Os que não comiam carne retomaram suas frutas, verduras e legumes frescos, enquanto os apreciadores de bacon redescobriram o prazer da feijoada.
Por fim, carnívoros e herbívoros passaram a se respeitar, pois aprenderam, da pior maneira possível, que o mundo precisa de equilíbrio. A virtude sem reflexão pode ser tão destrutiva quanto a negligência. E boas intenções, sem considerar as consequências, podem arruinar a humanidade.
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