Na crônica "O padeiro", Rubem Braga conta que certa manhã botou a chaleira no fogo para preparar o café, abriu a porta e foi pegar o pão que o padeiro costumeiramente deixava à entrada da porta. Não tinha nada lá. Naquele momento, Rubem lembrou-se de ter lido nos jornais alguma coisa sobre a greve do "pão dormido". Achavam os grevistas que fazendo o povo comer pão dormido conseguiriam alguma coisa do governo.
Braga tomou café com pão dormido. Enquanto comia, recordou-se de um homem modesto que conheceu. Quando ele deixava o pão na porta, para não incomodar os moradores, apertava a campainha e gritava: "Não é ninguém, é o padeiro!"
Rubem então perguntou como ele tivera a ideia de gritar aquilo: "Então você não é ninguém?"
O padeiro abriu um sorriso. Contou que aprendera aquilo de ouvido, pois muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era: e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o padeiro."
"Foi assim que eu fiquei sabendo que não era ninguém", explicou o padeiro, sem mágoas.
Lembrei-me dessa crônica semana passada, quando vi um homem visitando casas no bairro Oficinas, em Tubarão. Ele apertou a campainha de uma residência em que eu estava próximo. Uma mulher abriu a porta, mas antes que ela começasse a falar com o visitante, uma voz masculina vinda de dentro da casa perguntou quem havia chegado.
Por um instante, a mulher ficou observando com seriedade o homem parado em frente ao portão: adesivos colados no peito, sorriso eloquente, brilho no olhar e um maço de papel retangular nas mãos. Foi então que ela respondeu: "Não é ninguém não, papai. É apenas um deputado pedindo votos para tentar a reeleição!"
Da leitura da crônica de Rubem Braga e da cena constrangedora do deputado que fui testemunha ocular, guardei boas lições. Assim como no caso do padeiro, com vergonhosa frequência vejo pessoas ignorarem a presença de trabalhadores simples que todos os dias prestam serviços de grande importância para nossas vidas e sociedade. Percebo que se alguns olhos pudessem falar, diriam: "Aquele lá não é ninguém!"
Para não ser raptado por esse nocivo sentimento de superioridade, procuro manter viva minha origem simples, e sempre conservo aceso em minha mente o que escreveu Antoine de Saint Exupéry: “Só se vê bem com os olhos do coração.”
Outro momento que ficou registrado na minha memória foi o vivido pelo tal deputado, que embora tenha sido imediatamente reconhecido pela mulher que atendeu a porta, foi ignorado.
Naquele mesmo dia, mais tarde, fiquei sabendo que aquela mulher agiu assim porque estava cansada de recepcionar políticos que só aparecem em época de eleição. Para ela – e nesse caso eu concordo – pessoa que bate à porta de sua casa com a exclusiva intenção de obter alguma vantagem, merece mesmo é ser tratada como "NINGUÉM."