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BLOGS E COLUNAS

Além da compreensão

16/06/2020 14h00

O jovem Marcelo sonhava voar. Sua fascinação pelas alturas era tão grande que, na infância, pilotava aviãozinho de papel, simulava pouso forçado de pipa e corria pelas ruas de chão batido com os braços abertos, os olhos fechados e o pensamento nas nuvens.


O pai de Marcelo era homem de corpo e alma sofrida. Diminuía o filho, frustrava sua imaginação.


- Menino, deixa de ser bobo! Voar é coisa pros quem têm asas. Mantenha os pés firmes no chão. Tu és bicho humano, não bicho passarinho.


- Sou bobo não, papai! Pra voar em máquina voadora eu não preciso ter asas.


- Precisa de milagre. Pobre não voa!


O tempo passou e Marcelo tornou-se homem. Como prenunciou o pai, nunca voou. Pior, ficou ainda mais longe do céu quando começou a trabalhar no duro ofício de cavar poços. Mas o esforço rendeu frutos. Conseguiu comprar motocicleta velha.


No primeiro passeio, a sensação de liberdade e a brisa acariciando a face o fez mergulhar num devaneio repentino. Fantasiou que pilotava avião, e perdeu-se em meio às nuvens falsas da ilusão. Foi dolorosamente forçado a voltar à realidade quando colidiu no poste de concreto da rede elétrica. Marcelo caiu sangrando no asfalto quente de um dia de sol escaldante, mas consciente.


O paramédico do primeiro atendimento constatou que o caso era gravíssimo. O trânsito congestionado, o hospital distante, o sangue vertendo de seu corpo dilacerado... A única chance de tentar salvar aquela vida era com o resgate aéreo.


O helicóptero pousou na avenida minutos depois. Os curiosos em roda do ferido não entendiam por qual razão ele sorria.


- Perdeu o juízo com a pancada na cabeça - disse um jovem.


- Conheço esse rapaz! - interrompeu uma velhinha. - É filho da comadre da minha prima. Sempre viveu no mundo da lua!


O helicóptero decolou com Marcelo imobilizado na maca. Através da janela de vidro ele viu a cidade diminuindo de tamanho. Marcelo sorriu, como no tempo que era menino e sonhava voar.


Minutos depois, a aeronave pousou no heliponto do hospital com um corpo frio. Mas a alma de Marcelo continuou a subir e foi mais alto que as nuvens, fora do alcance dos olhos e muito além da limitada capacidade de compreensão humana.  



MACIEL BROGNOLI
Crônicas e contos
Maciel Brognoli é guarda municipal de Tubarão, graduado em Administração Pública, especialista em Segurança Pública e Gestão de Trânsito e escritor. Ocupa a cadeira n° 27 da Academia Tubaronense de Letras (Acatul) e escreveu quatro livros.
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