O jovem Marcelo sonhava voar. Sua fascinação pelas alturas era tão grande que, na infância, pilotava aviãozinho de papel, simulava pouso forçado de pipa e corria pelas ruas de chão batido com os braços abertos, os olhos fechados e o pensamento nas nuvens.
O pai de Marcelo era homem de corpo e alma sofrida. Diminuía o filho, frustrava sua imaginação.
- Menino, deixa de ser bobo! Voar é coisa pros quem têm asas. Mantenha os pés firmes no chão. Tu és bicho humano, não bicho passarinho.
- Sou bobo não, papai! Pra voar em máquina voadora eu não preciso ter asas.
- Precisa de milagre. Pobre não voa!
O tempo passou e Marcelo tornou-se homem. Como prenunciou o pai, nunca voou. Pior, ficou ainda mais longe do céu quando começou a trabalhar no duro ofício de cavar poços. Mas o esforço rendeu frutos. Conseguiu comprar motocicleta velha.
No primeiro passeio, a sensação de liberdade e a brisa acariciando a face o fez mergulhar num devaneio repentino. Fantasiou que pilotava avião, e perdeu-se em meio às nuvens falsas da ilusão. Foi dolorosamente forçado a voltar à realidade quando colidiu no poste de concreto da rede elétrica. Marcelo caiu sangrando no asfalto quente de um dia de sol escaldante, mas consciente.
O paramédico do primeiro atendimento constatou que o caso era gravíssimo. O trânsito congestionado, o hospital distante, o sangue vertendo de seu corpo dilacerado... A única chance de tentar salvar aquela vida era com o resgate aéreo.
O helicóptero pousou na avenida minutos depois. Os curiosos em roda do ferido não entendiam por qual razão ele sorria.
- Perdeu o juízo com a pancada na cabeça - disse um jovem.
- Conheço esse rapaz! - interrompeu uma velhinha. - É filho da comadre da minha prima. Sempre viveu no mundo da lua!
O helicóptero decolou com Marcelo imobilizado na maca. Através da janela de vidro ele viu a cidade diminuindo de tamanho. Marcelo sorriu, como no tempo que era menino e sonhava voar.
Minutos depois, a aeronave pousou no heliponto do hospital com um corpo frio. Mas a alma de Marcelo continuou a subir e foi mais alto que as nuvens, fora do alcance dos olhos e muito além da limitada capacidade de compreensão humana.