Em 2020, Blumenau recebeu 82,5 mil comprimidos de cloroquina. Agora, mais de dez mil comprimidos foram jogados fora pela secretaria de Saúde do município porque passaram da validade
Quando a pandemia de covid-19 começou, em março de 2020, o Governo Federal começou uma forte campanha de distribuição do chamado “Kit Covid“, que incluía alguns medicamentos para o suposto tratamento precoce da doença. Entre esses medicamentos está a cloroquina, que não tem nenhuma comprovação científica de eficácia contra o coronavírus.
Apenas para Blumenau, no ano de 2020, o Ministério da Saúde enviou 36 mil comprimidos do remédio. O Governo de Santa Catarina enviou mais 46,5 mil, totalizando 82,5 mil comprimidos recebidos pelo município. Nos anos seguintes, 2021 e 2022, Blumenau não recebeu novas remessas.
Passados dois anos, a secretaria de Saúde de Blumenau precisou descartar mais de dez mil comprimidos de cloroquina que venceram no mês de maio. Ou seja, praticamente 12% do total de remédios recebidos.
A prefeitura de Blumenau informou que tentou fazer a devolução do medicamento para o Ministério da Saúde, mas sem sucesso. Além disso, o município foi orientado pela SES (Secretaria de Saúde do Estado) a incluir os comprimidos à base de cloroquina na Farmácia de Alto Custo, porém, como o medicamento não substitui a hidroxicloroquina, utilizada no tratamento de doenças como artrite reumatóide e lupus eritematoso sistêmico, a cloroquina foi descartada após o vencimento.
Distribuição de cloroquina em Blumenau
Dos 82.560 comprimidos de cloroquina recebidos por Blumenau em 2020, apenas 1.741 foram entregues. Já em 2021, esse número foi menor ainda: apenas 1.047 comprimidos. Em 2022, até o vencimento do produto, que ocorreu em maio, Blumenau forneceu 30 comprimidos de cloroquina a pacientes. Somados, a cidade distribuiu em dois anos e cinco meses 2.818 comprimidos do medicamento, pouco mais de 3%.
Diante da baixa adesão, em 2020 o município devolveu 40 mil comprimidos para a SES (Secretaria de Estado da Saúde), além de doar 13.970 comprimidos para três municípios da região após as cidades solicitaram o medicamento. Já em 2021, quatro mil comprimidos foram enviados à regional da SES e outros 10.764 foram enviados para outros três municípios.
Em maio de 2021, a prefeitura de Blumenau abriu credenciamento para que clínicas médicas da cidade se inscrevessem para receber a cloroquina 150 mg, para serem fornecidas gratuitamente, mediante critério médico e prescrição do profissional. Porém, nenhuma clínica demonstrou interesse na doação.
A prefeitura também esclareceu que a distribuição da cloroquina para os casos em que os médicos receitaram o remédio para o tratamento de covid-19 foi feita atendendo os critérios estabelecidos pelo município, ou seja, apresentação de documento de identificação oficial com foto e comprovante de residência do usuário no município de Blumenau.
Como surgiu a ideia de que a cloroquina funcionava no tratamento da covid-19?
Em um artigo publicado na sessão Viewpoint, da revista científica The Lancet , os pesquisadores Leonardo Furlan, da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) nas áreas de Neurofisiologia e Reabilitação, e Bruno Caramelli, médico cardiologista, diretor da Unidade de Medicina Interdisciplinar em Cardiologia do Incor e professor da FMUSP, explicaram como esse movimento teve começo.
De acordo com os pesquisadores, no início da pandemia de covid-19, o crescente número de hospitalizações e mortes por causa da doença até então desconhecida motivou profissionais da área da saúde e pesquisadores a buscarem tratamentos para a covid-19. Assim, diversos medicamentos passaram a ser testados.
Diante das pesquisa, alguns remédios começaram a ser utilizados por médicos de forma off label, ou seja, fora da indicação da bula. Mesmo essa prática sendo reprovada pela comunidade científica, medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina e a ivermectina passaram a ser usados em larga escala em diferentes países, incluindo o Brasil.
Nessa mesma época, o Conselho Federal de Medicina do Brasil emitiu uma nota autorizando a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina para casos de covid-19. Além disso, o Ministério da Saúde publicou um protocolo orientando o uso de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com covid-19 não hospitalizados.
Vale destacar que tudo isso aconteceu mesmo com a ausência de evidências científicas que comprovassem a eficácia desses remédios no tratamento do coronavírus.