Ouvi um grito agoniante! Um grito parecido com o de um bebê, mas meu coraçãozinho de menino de cinco anos sabia que se tratava do brado de uma criatura não humana. Eu estava no quintal, brincando no balanço feito com cordas amarradas a um galho grosso de guabirobeira.
O súbito berro me assustou e eu caí para trás. Ainda estirado no chão, ouvi outro grito: "Meniiiino!" Esta sim era uma manifestação vocal humana e eu reconheci imediatamente. Levantei-me, limpei com as mãos a terra acumulada nas roupas e corri para a minha casa o mais rápido que pude.
– Menino, vá para o quarto e feche a porta. E só saia de lá quando os homens terminarem de abater o animal. Entendeu?
Eu não entendi nada! Mas como sempre fui guri obediente, abaixei a cabeça e fiz o que minha mãe pedia. Na escuridão silenciosa das quatro paredes, ouvi ela conversando do lado de fora da casa com a minha tia. Falavam com seriedade e receio sobre uma história antiga de um jovem que pegou gosto em verter sangue humano. O menino, segundo elas ouviram falar, cresceu e se tornou assassino porque na infância seu pai cometeu o disparate de deixá-lo ver um porco sendo abatido e esquartejado. E foi nesse momento que eu entendi a origem daquele grito estranho.
Mais gritos! Esses eram tão estridentes que invadiram o meu quarto escuro. Receoso e com o coração acelerado, deitei na cama e espremi o travesseiro nos ouvidos. Encobri as entradas da minha mente para evitar que aquela assustadora influência sonora manchasse a brancura da minha alma pueril.
O tempo passou. Cresci e sobrevivi. Hoje eu sei que a história do menino que virou assassino porque viu um porco sendo abatido não passa de uma lenda. Acho que no fundo minha mãe também sempre soube. Quanto a isso, nenhuma novidade! As mães são assim mesmo: preservam fantasias para manter a saúde física e mental dos filhos.
Sobre aquele inesquecível dia, guardei um ensinamento que levarei comigo para sempre: em algumas apresentações no palco do teatro da vida, crianças não devem fazer parte da plateia.