Era 24 de dezembro. Sobre a mesa de pernas bambas de uma casinha construída com placas de madeiras corroídas pelo tempo, repousava um pequeno rádio antigo de pilhas. O menino, o mais novo entre os sete irmãos, curioso, manuseava os botões do aparelho à procura de uma emissora que não tivesse interferências ou ruídos. Mas antes que ele pudesse encontrar a sintonia perfeita, sua mãe, uma jovem senhora, mas com aparência de longos anos e sorriso de recém-nascida, falou:
– Coiso, vá chamar seu pai no boteco. A água pra fazer o pirão d'água tá fervendo.
Era final de tarde. Ao som dos latidos lamentosos dos cães sem dono, o menino correu pelas ruelas sinuosas, sujas e mal-iluminadas daquele morro esquecido pelos cobradores de impostos. Quando chegou ao destino, parou à entrada da porta – de onde viu seu pai escorado num balcão decrépito no final corredor.
O homem vestia camiseta vermelha suja, tinha a barba comprida, os pés encardidos e unhas grandes e afiadas como a de uma ave de rapina. Ele bebericava pinga num martelinho e tragava paiero de fumo fedorento. O ambiente, embranquecido por uma neblina de fumaça sufocante, cheirava a gordura, respiração de bêbados e almas apodrecidas.
O menino falou o mais alto que pôde, tentando sobressair aos murmúrios e às risadas daquela gente triste.
– Ô pai, a mãe tá chamando pra comer.
As vozes silenciaram. Espantado com o atrevimento do filho, o homem girou o pescoço magro para trás, tossiu uma tosse carregada e persistente, típica dos fumantes de longa data. Cuspiu no chão um naco de saliva negra-avermelhada, e esbravejou:
– Desde quando pirralho manda em homem? "Timbora" daqui! Antes que eu te dê uma camaçada de pau na frente da gurizada.
Risos ecoaram. O menino abaixou os olhos e fez o caminho de volta, em silêncio. Já havia anoitecido quando ele passou pela estradinha rente ao grotão. Lá adiante, além dos limites da pobreza, brilhou em seus olhinhos as luzes coloridas e os enfeites de Natal que alegravam as ruas e as casas da parte nobre da cidade.
Foi então que ele lembrou que era noite de Natal.
Voltou à casa. Avisou a mãe que logo o pai chegaria e foi correndo mexer no radinho de pilhas. Conseguiu sintonizar uma rádio religiosa que tocava uma música de Natal chamada "Deixei meu sapatinho". Quando ouviu o refrão: "SEJA RICO OU SEJA POBRE, O VELHINHO SEMPRE VEM," o menino teve a certeza que ganhar presentes do Papai Noel não era devaneio dos esquecidos, mas sim uma promessa disseminada por meio de uma bela e verdadeira canção.
Independentemente de sua extrema pobreza, o Velho Noel não esqueceria de visitá-lo para entregar o presente dos seus sonhos. E com esse pensamento esperançoso, o menino de oito anos adormeceu debruçado sobre a mesa.
Quando acordou, era manhã do dia 25 de dezembro. Em sua casa, não havia árvore de Natal. Não tinha sorrisos ou olhos brilhantes de crianças rasgando embrulhos de presentes. Mas o que esperar de um lar que não tem dignidade nem no prato de comida?
Naquela manhã natalina, a imagem que mais se assemelhava ao Papai Noel era a de seu pai caído bêbado à entrada da porta.
O menino cresceu, e apesar das adversidades na infância venceu na vida e descobriu qual é o verdadeiro sentido do Natal. Todos os finais de ano, quando ele vê adultos alimentando (com palavras ou músicas) esperanças vazias no coração de crianças pobres, lembra-se de sua história e entristece.
Aos seus filhos, ele sempre faz questão de lembrar:
– Papai Noel é uma lenda. A gente finge acreditar que ele nos visita na noite de Natal, só para manter viva a tradição. Mas a verdade é que quem trabalha para comprar os presentes são os pais. Também é real que existem famílias pobres que não têm condições de presentear seus filhos. E isso é muito triste! No entanto, acreditem, as dificuldades são passageiras. O verdadeiro espírito natalino expressa sentidos maiores, desperta uma alegria profunda que supera as dificuldades, tornando rasa a suposta visita anual de um velhinho barbudo que traz presentes... essa alegria é o amor.
E esse amor tem um nome: Jesus Cristo!