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BLOGS E COLUNAS

Batendo feijão

18/05/2020 21h39

Quase todas as minhas memórias afetivas são do tempo em que eu morava na localidade de Canela Grande, em Pedras Grandes. Um lindo lugar de colonização italiana, onde vivi até os meus 7 anos de idade.


Semana passada, quando saí de bicicleta para levar os meus olhos para passear, vi uma cena que resgatou lembranças perdidas do tempo em que eu era menino na minha querida terra natal. Acreditem, vi um senhor batendo feijão sobre a calçada da movimentada rodovia SC-390, no bairro Km 60, em Tubarão.


O mesmo senhor – que já é conhecido na região por ser autor de uma iniciativa bem bacana – fez uma horta sobre o redutor de velocidade. Parei ao lado do canteiro improvisado, que fica em frente à casa do excêntrico agricultor. Ele observou de longe, desconfiado, segurava um balde cheio com vagens de feijão vermelho.


– Senhor, posso fotografar as hortaliças? – perguntei.


Essas palavras soaram como magia. Ele se aproximou de mim, sorriu e disse:


– Durante a noite, a malandragem costuma furtar as alfaces mais bonitas. Mas eu e a minha esposa não desanimamos, continuamos a plantar!


– Parabéns! Bela iniciativa, senhor...


– Valmor – antecipou-se ele. – E o nome da minha esposa é Albertina. Para gravar meu nome é bem fácil. É só lembrar da palavra "amor." Valmor/Amor. Entendeu? 


– Não vou esquecer! –falei, e juntos sorrimos. 


– Além das hortaliças eu também planto feijões.


Em seguida, ele apontou com o indicador para a calçada do outro lado da rodovia, onde havia uma lona esticada. Fomos até lá, ele despejou o balde com as vagens de feijão em cima da lona e começou a bater nelas com uma vara. Aquela cena rara de ver nos dias de hoje fez parte da minha infância, então, enquadrei o smartphone para registrar o momento. E foi naquele instante que a magia aconteceu! Fui mentalmente levado ao passado e revivi episódios marcantes da minha infância.


Lembrei-me dos dias frios, quando me aquecia ao lado do fogão a lenha. Lembrei-me das vezes que minha mãe brigava comigo porque eu tomava café perto da janela. "Eu já disse mil vezes que tomar café quente no vento entorta a boca". Para reforçar a ideia, ela contava histórias de crianças desobedientes que haviam ficado com a boca torta.


O tempo passou, eu continuei a tomar café quente exposto ao vento frio, mas não fiquei com a boca torta. Aliás, nunca conheci alguém que tivesse entortado a boca por esse motivo.


Lembrei-me das vezes que eu e minha irmã brincávamos no balanço e no terreiro, e dos dias que saíamos a procurar os ninhos que as galinhas faziam no meio do gravatá espinhoso que cercava a propriedade.


Certo dia, perguntei para meu pai por que algumas galinhas não estavam pondo ovos. Ele disse: “Pra saber se a galinha vai pôr ovos é só enfiar o dedo...”.


A partir daquele dia, quando eu me aproximava do galinheiro era o maior alvoroço. Cacarejos histéricos, correria, tentativas frustradas de voo e penas voando pra todo lado. Até os galos arregalavam os olhos quando me viam, pois eles eram espertos o suficiente para saber que um menino de 6 anos pode não saber diferenciar galos de galinhas.


Lembrei-me da alegria que senti quando segurei pela primeira vez as rédeas de um carro de bois. Lembrei-me do tamborilar dos sapos à noite no açude, do canto das cigarras noturnas e do brilho esverdeado dos vagalumes que iluminavam os campos escuros no mês de dezembro. Lembrei-me do meu brinquedo preferido – um trenzinho feito com latas de sardinhas amarradas umas nas outras. Lembrei-me...


– Já bateu a foto? – Perguntou Seu Valmor, interrompendo minha viagem mental. 


– Só mais uma – disfarcei.


Mostrei as fotos para ele e nos despedimos. Montei na bicicleta e segui meu caminho. Durante o trajeto, lembrei-me do que o agricultor urbano disse quando se apresentou: "Meu nome é Valmor. Pra gravar meu nome é fácil, é só lembrar da palavra "amor."


Ele tinha razão. Pelo menos no meu caso a rima foi válida. Conheci Valmor, revivi momentos de amor...



MACIEL BROGNOLI
Crônicas e contos
Maciel Brognoli é guarda municipal de Tubarão, graduado em Administração Pública, especialista em Segurança Pública e Gestão de Trânsito e escritor. Ocupa a cadeira n° 27 da Academia Tubaronense de Letras (Acatul) e escreveu quatro livros.
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