Todas as noites, Davi, meu filho que ainda não completou três anos de idade, coloca duas almofadas no chão da sala e pede para eu deitar. Enquanto atendo o fofucho pedido, o pequeno corre para buscar alguns livros, entre os muitos que ficam estrategicamente espalhados pela casa. Deixo os "aumentadores de inteligência" soltos por aí desde que Davi começou a engatinhar, pois sei que é uma questão de tempo para ele ser encantado pelo poder das palavras escritas naqueles objetos mágicos, que possuem poderosas asas de borboleta e podem levá-lo além das nuvens.
A melhor forma de as crianças e os livros se conhecerem é sem a intermediação de terceiros, num bem-vindo tropeção em alguma curva entre a sala e os demais cômodos da casa. No tempo certo, as crianças descobrem que todos os livros têm grandes olhos de coruja. Então os olhares se encontram, o amor é avassalador e o voo é inevitável.
Davi se aproxima com alguns livros aconchegados no peito, e fala, com aquela doce voz de bebê:
- Papai, conta histórias!
Ouço e sinto o coração do livro pulsando em minhas mãos. Conto uma história. Conto duas. Conto três...
A cada história uma nova magia!
Eu e Davi escalamos o pé de feijão do João. E quando chegamos no final do pé, muito além das nuvens, avistamos um imenso castelo e entramos nele pela greta da porta, sem sermos percebidos pelo solitário gigante que mora lá. Depois seguimos na pontinha dos pés à procura da galinha dos ovos de ouro.
Em uma só olhada na ilustração do primeiro capítulo do Pequeno Príncipe, Davi percebe que até parece ser um chapéu, mas ele sabe que é a imagem de uma jiboia que engoliu um elefante.
Ficamos comovidos com a triste história de vida da Menina dos Fósforos e vibramos com o poder de Tistu, o Menino do Dedo Verde que, com sua infinita bondade, consegue fazer canhões lançarem flores, em vez de bombas.
Eu e Davi somos absorvidos pelas histórias a ponto de fazermos parte delas. Naquele momento mágico, a visão de mundo do homem e do menino são a mesma. Se ele é inocente e suas crenças transitam pela estrada do impossível: eu sou Peter Pan.
E assim, todas as noites, deitados no chão da sala sobre duas almofadas mágicas, percorremos o enriquecedor universo da fantasia.
Por fim, Davi cansa. Então ele pega o bico e o "chero" e vai pro quarto dormir. Mas antes de apagar a luz, ele grita:
"Boa noite, papai!"