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BLOGS E COLUNAS

Nossas histórias eles não levam

20/06/2022 14h17

Certa vez, meus pais resolveram fixar residência em Tubarão. Na verdade, foi uma decisão da minha mãe.

Morávamos em Termas do Gravatal – meu pai, na época, gerenciava o Hotel Termas - mas nossas vidas eram aqui.

Colégio, esportes, aniversários... as idas e vindas acabaram sendo um transtorno para eles, que organizaram uma agenda para continuarem com as suas vidas sem prejuízo aos filhos.

Meu pai nos visitava duas vezes por semana. Geralmente, nas segundas e quartas. Já na sexta-feira, voltávamos para as Termas para ficarmos em família até o depressivo dia de domingo, quando tínhamos que retornar para a “cidade grande”.

Aquela rotina tinha um lado bom, afinal, qual criança não gostaria de estar junto aos seus amigos nos afazeres de segunda a sexta e, aos fins de semana, estar rodeado de novos parceiros que, para mim, eram muito mais do que apenas hóspedes do hotel?

Aos 10 ou 11 anos eu já colecionava amizades com crianças de diversos lugares do país – talvez, por isso, eu sempre tenha tido facilidade em imitar sotaques.

Do Rio Grande do Sul, por exemplo, fiz amizade com crianças de Pelotas, Santa Maria, Caxias e, principalmente, de Porto Alegre. Algumas dessas “crianças” eu mantenho – graças às redes sociais - contato até hoje, vejam só.

Minha primeira namorada, aliás, era gaúcha. Já morando em Tubarão, contava os dias para que as férias de julho chegassem logo para passar bons momentos com ela nos corredores do Hotel Termas.

Correspondíamo-nos por cartas e era sempre algo transcendental chegar em casa e, em cima da mesa, ter uma correspondência com o meu nome recém-chegada de Porto Alegre.

Deitava na minha cama e ficava por longas horas lendo, relendo, nutrindo aquela paixão infantil que foi se esvaindo quanto mais eu me afastava de Gravatal e fincava meu pé em Tubarão.

Logicamente, para os meus pais, a distância, as visitas, a obrigação de voltar a Gravatal todos os fins de semana foram empecilhos para o casamento que, em pouco tempo, resultou em um inevitável divórcio. Amigável, pelo que, inocentemente, acompanhei.

Não sei se por aquela situação, mas meu pai – como se me compensasse por algo que eu não entendia – me presenteou com uma bicicleta.

Era uma BMX, prata, com amortecedor no quadro... era linda.

Minha vontade era de ir à pista naquele momento – chamávamos de pista uma rampa solitária colocada na base do morro da Rua Otto Feuerschütte, onde hoje é a Câmara de Vereadores – mas meu pai me proibiu.

– Sem pista. Vai fazer tuas tarefas, determinou.

Ao notar aquele ar de frustração que me fazia não segurar as lágrimas e, talvez, sentindo-se culpado por um divórcio nutrido na distância que se acentuava entre ele e a minha mãe e que, consequentemente, refletia também entre mim e meus irmãos, me pegou pelo braço e me levou até a Praça 7, onde hoje é o Museu Willy Zumblick, para estrear a minha reluzente BMX.

Quem não lembra daquelas tardes de fim de semana na Praça 7?

Famílias inteiras reunidas fazendo piqueniques, rodas de chimarrão entre amigos, desfile de carros dos playboys que, com metade do braço pra fora, rodeavam a praça dezenas de vezes em um ritual de exibição para as meninas que se empoleiravam em um muro qualquer, como se estivessem reproduzindo uma dança de acasalamento, assim como fazem os pavões quando querem uma pavoa.

Aquela ida à praça foi tão significativa que jamais esquecerei.

Meu pai era daqueles que pouco saía de Gravatal. Estar em locais socialmente ativos, então, era um tormento para ele.

O que amava era estar no hotel e tocar piano quando a noite caía, rodeado de amigos e bebendo até o amanhecer.

Não que eu achasse aquilo ruim, pelo contrário, vivenciei grandes momentos em noites históricas de muita música e conversas animadas no bar do Hotel Termas, mas aquele momento entre pai e filho, em Tubarão, foi algo simplesmente inesquecível.

Nessa semana, ao ir fazer um lanche no restaurante Caçula, passei a pé ao lado da pista de skate da Praça 7. Circundei o museu o encarando como se ele afrontasse aquele momento de extrema felicidade que passara junto ao meu pai.

– O que fizeram? – resmunguei para mim mesmo em voz alta.

A pista de skate coberta de pichações, escurecida pela falta de luz e carregada por uma energia sombria era o retrato do abandono.

O museu, subutilizado, virou residência de sem-tetos que parecem se misturar ao ambiente ameaçador como se fizessem parte de uma decoração de gosto duvidoso.

O sentimento de desamparo embaixo das marquises exala pelo ar misturando-se a um odor proibitivo.


Uma obra tão sem sentido que brota em mim o sentimento de querer derrubá-la com as próprias mãos.

Não há exposições de arte, mostras culturais... nada. O museu estabelecido no coração da cidade está ali apenas para enfeiar.

Mantê-lo em pé é algo tão particular que nos parece difícil explicar a alguém de fora o motivo de não haver um levante contra algo tão visualmente perturbador.

A sua construção e o seu posterior abandono nos tirou o prazer da convivência entre amigos, mas não teve a capacidade de nos levar as histórias que guardamos no coração, assim como a que eu guardo quando lembro do meu pai naquele raro momento na saudosa Praça 7, em Tubarão.



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